segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Era uma vizinha portuguesa, com certeza!

Eu tinha 22 anos quando me tornei vizinha da dona Bernarda. Havia acabado de me mudar para Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Aluguei uma casa de madeira com um quintal enorme que fazia divisa, aos fundos, com o quintal da vizinha portuguesa.

Logo que cheguei, percebi que as casas estavam separadas por uma cerca de balaustras e um providencial portãozinho. No quintal haviam dois pés de mangas, um pé imenso de abacates, um generoso mato crescendo atrás da casa e havia ainda uma trilha que levava até o o tal portãozinho da cerca do fundo.

Para cortar caminho o casal vizinho atravessava, sem a menor cerimônia e como sempre fizeram, pelo meu quintal.

Já no dia da mudança, entre caixas e móveis sendo descarregados, fui surpreendida pelo simpático casal atravessando o quintal sem se importar com a bagunça.

Dona Bernarda era uma senhora enorme. Alta, um tanto mais alta que o marido, gorda e bastante vaidosa. Andava ali perto dos seus 70 anos. Já o Sr. Afonso era bem magro, de olhos claros, sorriso simpático e muito reservado.

Depois de alguns dias e já familiarizada com a nova casa recebi a visita do casal. Ele e de terno e calado. Ela estava toda arrumada. Usava um vestido branco com enormes bolas vermelhas - que destacavam ainda mais o seu tamanho - os cabelos grisalhos estavam arrumados em cachos que pendiam até os ombros, uma maquiagem um pouco exagerada marcava de rosa as suas bochechas e um elegante colar de pérolas falsas completavam seu traje. Numa mão o inseparável guarda-chuvas e na outra um maço gigantesco de alfaces recém colhidas. Estranhei quando aquela senhora tão arrumada, parada à minha porta, disse:

- Bom dia senhora vizinha! Trouxe-lhes essa verdura e também vim para vos explicar que Afonso e eu encurtamos caminho pelo vosso quintal.

Ela tinha um acentuado sotaque português e era a primeira vez em toda minha vida que alguém me chamava de senhora. Achei delicado seu gesto e desse dia em diante nos tornamos amigas. Toda hortaliça consumida em minha casa vinha da horta da Dona Bernarda e ela por sua vez, chovesse ou fizesse sol jamais usava o portão da frente de sua casa. Preferia sempre atravessar pelo meu quintal para ir onde quer que fosse.

Fomos vizinhas por dois anos e durante esse tempo trocamos receitas de doces, de crochê e papeávamos por horas no portão do fundo. Durante todo tempo que convivi com Dona Bernarda ela jamais deixou de me chamar de senhora vizinha. Eu lhe dizia:

- Dona Bernarda pode me chamar de Adriana mesmo.

E ela:

-Ora pois, mas a senhora não é uma mulher casada? E a senhora não é a nossa vizinha?

Não adiantou, ela nunca me chamou pelo meu nome. Já o Sr. Afonso não me chamava de senhora, mas também nunca me chamou de Adriana, para ele sempre fui "a menina":

- A menina aceita uma xícara de café? Tá fresquinho saiu agora mesmo.

E eu sempre aceitava o delicioso café do Sr. Afonso. Adorava a companhia dos meus vizinhos que viviam sós em sua casa.

Numa das conversas soube que tiveram um único filho, que faleceu ainda jovem de uma doença séria. Era um assunto doloroso demais para eles e eu não perguntava sobre os detalhes, deixava que me contassem o que queriam contar.

Um dia, enquanto tomávamos o café do Sr. Afonso com o saboroso bolo de laranjas da Dona Bernarda eles me mostraram fotos antigas e descobri que a senhorinha lusitana havia sido uma jovem deslumbrante. O Sr. Afonso não resistindo aos seus encantos, pediu-a em casamento. E diante da negativa do futuro sogro roubou-a e foram embora do interior do Paraná. Primeiro para o Mato Grosso do Sul e quando se aposentaram mudaram-se para Lucas do Rio Verde.

Quando eu já tinha uma certa intimidade com o casal, perguntei ao Sr. Afonso por que a Dona Bernarda insistia em me chamar de "senhora vizinha". Ao que ele me respondeu:

- Ah! É o costume dela! E costume da Bernarda eu não discuto.

Assim, dei o assunto por encerrado. Aceitei que havia me tornado mesmo uma jovem senhora. Quando me mudei da casa vizinha, cheguei à visitá-los algumas vezes. Em uma das visitas os encontrei arrumando malas e empacotando caixas. Iam voltar para o Paraná para morarem com um sobrinho deles. O Sr. Afonso andava meio adoentado e o sobrinho achou que seria melhor tê-los por perto.

Nunca mais tive notícias dos meus amigos. Na confusão da mudança acabamos esquecendo de pegar endereços ou telefone. Naquela época não havia tanta facilidade de comunicação e eu sequer sei o sobrenome deles ou a cidade para onde foram. Restando a mim apenas as lembranças, a saudade e o desejo de que estejam bem. Que estejam com saúde e cortando caminho pelo quintal de alguém que os amem tanto quanto eu.




Um comentário:

  1. amei amei!! voce sempre tem o dom de me teletransportar para epocas e lugares q eu nao vivi!! desde paraguay..um grande abraco minha irma do coracao!!! tudo de bom!! queremos sempre mais e mais historias viu?

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