domingo, 17 de junho de 2012

Seu Cassimiro


Seu Cassimiro devia ter bem mais de sessenta anos, mas ainda assim era um vigia concursado do Estado do Mato Grosso.


Convivi com ele durante os quatro anos que trabalhei na Secretaria de Turismo. Ele chegava sempre no meio da tarde, apesar do turno dele só começar no início da noite. Chegava sempre a tempo de tomar o café da Dona Ditinha com os pães "ressuscitados"* da Anomélia.

Seu Cassimiro, apesar da idade, era casado com uma moça bem jovem e tinha um filho pequeno, de uns 5 anos. Filho que ele deu para o Secretário batizar, tonando-se assim compradre do "Home". E o seu Cassimiro tinha a maior intimidade com o nosso falecido secretário. Chegava na Secretaria, tomava o café da Dona Ditinha e se mandava para a sala principal para relatar os acontecimentos noturnos da Sedtur. E o secretário dava a maior corda:

- E aí compadre? Tudo certo? Tá cuidando direitinho da nossa Secretaria?

O Cassimiro, sempre papudo, contava a maior vantagem:

- Claro cumpádi! O Véio aqui num dorme em serviço não! Não tenho medo de bandido e nem de nada!

E o Secretário elogiava:

 - É isso ai compadre, tem que cuidar do patrimônio do Estado.


Acontece que todo mundo ali tinha uma história sobre o Cassimiro para contar. A dona Ditinha, que cuidava da copa e da limpeza, andava possessa da vida porque o seu Cassimiro, durante a noite, em vez de ir ao banheiro se aliviava ali no pátio mesmo. Depois de dar um dura nele e apertá-lo ela acabou descobrindo, por dedução, que o seu Cassimiro estava com medo dos fantasmas.

A Secretaria ficava num prédio muito antigo na Praça da Matriz. O local, que hoje abriga o Museu Histórico do Mato Grosso, tem uma longa história. Já foi o Palácio de Justiça do Mato Grosso, a Casa do Tesouro do Estado e palco a famosa "Rusga", revolta que ocorreu na madrugada 30 de maio de 1840, que acabou sendo o início de uma série de acontecimentos que culminou na Inconfidência Mineira. Há no prédio porões escuros, com grades de ferro que, dizem os conhecedores do assunto, era onde ficavam os escravos. E, segundo o seu Cassimiro, durante a noite coisas estranhíssimas aconteciam na Sedtur. Mas ele, destemido como só, nunca assumiu que morria de medo dos fantasmas.


Certa noite o Secretário esqueceu uns documentos no gabinete e resolveu passar para buscá-los. Na manhã seguinte ele nos contou que chegou por volta das 22:00 e o seu Cassimiro roncava alto. Disse que ele arrumava um colchãozinho na beira da porta - assim se alguém tentasse entrar ele acordaria e também era fuga rápida caso um espírito aparecesse . O Secretário contou que abriu a porta e passou por um pequeno espaço, entre o colchão do seu Cassimiro e a porta, pulou por cima do dorminhoco, pegou os documentos no gabinete, saiu, trancou tudo e ele nem se mexeu.

Na tarde seguinte, após o café, o vigia foi na sala do chefe, que o recebeu animado:

 - E então compadre? Correu tudo bem na noite passada? Nenhum acontecimento durante a noite?

E ele:

 - Nada cumpádi! Tudo na mais tranquila paz!

O Secretário insistiu:

 - Não apareceu ninguém aqui durante a noite? Será que o Senhor não anda dormindo não?

O Cassimiro:

 - O que cumpádi? Não aconteceu nadinha, tô falando prô sinhor! Eu sou olho vivo, não passa ninguém dessa porta não.

Tempos depois eu mesma comprovei a história contada pelo Secretário. Tinha esquecido minha bolsa e resolvi passar lá para pegá-la. Eram umas 21:30. Depois de uns 15 minutos berrando e batendo insistentemente na porta o seu Cassimiro respondeu:

 - Quem é que é?

E eu:

 - Sou eu seu Cassimiro, a Adriana!

E ele abrindo a porta:

 - Ah é você fia? Ah bão! Eu tava fazendo a ronda sabe não escutei chamando.

O colchãozinho dele tava lá na beira da porta e com as cobertas desfeitas, sinal de que estava deitado, e eu também tive que pulá-lo.




Nesse dia fiquei lá conversando com ele e acabei perguntando para ele sobre os fantasmas. Seu Cassimiro arregalou os olhos e me contou várias histórias engraçadas e aterradoras. Contou que uma vez viu o rosto de uma mulher no espelho do banheiro, que escutava choros e sussurros. Era grande a lista do seu Cassimiro de acontecimentos noturnos, mas isso fica para um outro post.

Em dezembro de 2002 me mudei de Cuiabá e por algum tempo soube notícias do seu Cassimiro, mas depois que ele se aposentou nunca mais soube dele.

*pãezinhos ressuscitados: técnica da minha queridíssima amiga Anomélia usa para deixar pães dormidos como se tivessem acabado de sair do forno. Basta simplesmente umedecê-los levemente (ela molhava os dedos na água e espirrava nos pãezinhos) e depois colocá-los uns dois minutinhos no forno convencional. E funciona que é uma beleza, desde que aprendi com ela todo pão dormido aqui de casa é "ressuscitado"no dia seguinte.

Fotos: google

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